O poker, meus caros, é um esporte fascinante. A cada dia, em cada jogo, novas situações testam o raciocínio e a lógica. Com pouco mais de um ano de jogo mais constante, posso garantir que o mais desafiador de estar em uma mesa é ter que se adaptar, de forma rápida, às mais variadas situações.
Jogando um torneio com entrada de R$ 5 e recompras de R$ 5, deparei-me com a seguinte situação de jogo. Aliás, conto primeiro o caso para em seguida ilustrar a matemática intrincada por trás de cada jogada.
Estávamos em oito jogadores na mesa e eu tinha uma quantidade de fichas confortável (perto de 35 mil). Era o último período de recompra e havia dois jogadores com o stack mínimo na mesa, que era de 4 mil fichas.
Com blinds em 500/1000, eu sou o big blind. O primeiro a falar, que tem a sábia alcunha de Pastel, sem dó das fichas, coloca suas preciosas 4 mil no meio do pano verde. A mesa segue em fold até o small blind, o seu Bruno, o baralhão, conhecido pelo seu estilo, digamos, mais arrojado de jogar. Com 4 mil fichas, ele também vai all in. Minha vez.
Aplico os rudimentos de matemática que conheço e olho para minhas cartas; Vejo uma mão digna, um Dez Dama do naipe de copas. Chamo a aposta.
Pastel mostra um belo par de ases e sonha em triplicar. Honestamente, não lembro a mão do Bruno, mas não era nada espetacular. Mostro minha mão e aviso o Pastel:
“Fica tranquilo e faz o rebuy. Quebramos seu par de as”
E quebramos mesmo
Logo no flop, viram as cartas mágicas: J, K e 9. Faço sequência e o turn e o river acabam sem grandes surpresas. Levo 12 mil fichas, além do prazer inenarrável de quebrar um par de ases e ainda poder cornetar o Pastel.
Essa foi a jogada e o resultado. Agora, vamos à matemática, que é bem mais complexa e interessante.
Depois de ouvir, em tom de galhofa, o adjetivo Baralhão – na gíria do poker, quem joga com mãos ruins e, contra as probabilidades, acaba vencendo – resolvi buscar a redenção na matemática. Analisem o raciocínio, uma verdadeira pérola que contradiz plenamente quem insiste em classificar o poker como jogo de azar.
Chamei com cartas piores, é um fato, e levei um pote contra as probabilidades. Mas meu call foi correto. Veja porque:
Primeiro, eu não tinha como saber que o Pastel ostentava, orgulhoso, um belo par de as. Ele já havia ido all in com mãos terríveis para explorar a fraqueza dos demais jogadores. Existe sempre a chance de um blefe para roubar as fichas que estão no pote, que são de 10%. Mas vou desconsiderar esse fator e colocar que, na minha leitura de jogo, eu coloquei o menino com cartas muito boas, as melhores possíveis. Isso significa que, no range de mãos que coloquei pra ele, Pastel poderia ter as seguintes mãos:
AA, KK, QQ ou JJ, todas mãos muito fortes e bem na frente da minha
AK, AQ, AJ – mãos fortes e que estavam à frente da minha
Logo depois de Pastel ir all in, o seu Bruno coloca suas 4 mil fichas e paga o all in. Naquela situação de um torneio, onde o período de recompra estava no fim, faria sentido pagar com um leque de mãos muito grande na posição dele. Ou dobra-se as fichas ou faz-se um rebuy. Fora isso, o seu Bruno é um jogador mais solto, que aposta e paga com mãos mais fracas do que eu, por exemplo, faço. Dessa forma, coloquei o menino no seguinte leque de mãos:
Qualquer par, de AA a 22
Qualquer A com figura: (AK, AQ, AJ)
Qualquer K com kicker acima de 9 (K9, KT, KJ, KQ)
Qualquer Q com kicker acima de 9 (Q9, QT, QJ, QK)
Qualquer J com kicker acima de 9 (J9, JT, JQ, JK)
Conectores naipados a partir de 89: (89, 9T, TJ, JQ, KQ)
Conectores a partir de TJ (TJ, JQ, KQ)
Agora, a parte divertida. Segundo os softwares que analisam mãos e a probabilidade matemática de cada mão vencer, o range do Pastel venceria em 47% das vezes. Meu TQ naipado levaria em 30% das vezes e as infinitas probabilidades do seu Brunão aparecem com 23% de chances.
Agora vem a análise do custo benefício.
Nesse caso, o retorno, caso eu contrariasse as estatísticas e vencesse, seria de quatro fichas para cada uma que eu investi, já que eu precisava colocar 3 ,il fichas para ganhar 12 mil…. Com 30% de chance, significa que eu acerto essa mão (lembrando que é contra o range, não contra o AA) três vezes em dez tentadas. Para jogar essas dez vezes, eu teria que investir R$ 30 mil fichas. (pagando 3 mil por vez).
Se eu acerto e levo três vezes, significa que meu retorno nessas dez vezes será de 36 mil fichas. Saio no lucro 6 mil fichas, por isso o call é válido. O odd das fichas era maior que o odd das cartas. Valia a pena pagar com qq carta do tipo 2, que era o meu caso. Dava pra pagar até com 9T naipado, se não me engano, pq as percentagens não se alteram demais.
Deixando a cornetagem de lado, essa mão serve como exemplo de como esse lance das odds podem fazer diferença em um jogo. Se o Brunão folda, eu foldaria também. Mas como ele foi all in, e o all in dele era exatamente o seu, o pote tornou-se matematicamente atrativo, embora soubesse que eu estava com certeza atrás de um de vocês e muito provavelmente atrás dos dois.
Ajudou muito o valor do all in ser baixo em comparação com minhas fichas. Eu não entraria nesse se tivesse que comprometer, por exemplo, mais de 20% do meu stack.
Mas vamos pensar na hipótese de fold do Brunão para ilustrar. É ai que a gente vê como um pequeno detalhe muda tudo no poker.
Nesse caso, o pote ficaria com 5,5 mil fichas e eu teria que colocar mais 3 mil para disputar um pote de 8,5 mil. Assim sendo, minhas odds ficariam em 1 para 2,8. Refiz as contas e vi que, jogando com os mesmos ranges de mãos e minhas cartas, as percentagens de vitória seriam de 67% contra 32%.
De cem vezes, acertaria 32, Então vamos às contas:
Em cem vezes, investiria 300 mil fichas para jogar o pote. Vencendo 32, lucraria 272 mil, o que tornaria o call matematicamente incorreto.
Vejam que, embora, nesse caso, eu levei a mão, não é isso que torna meu call correto. É a expectativa matemática de longo prazo. Ainda que eu tivesse perdido essa mão, essa era uma jogada que deveria ser feita porque, no longo prazo, é lucrativa.
Da mesma forma, muitas pessoas ganham significativas somas, em dinheiro ou fichas, chamando com probabilidades erradas. Acontece, é poker, mas não significa, por isso, que a jogada é matematicamente correta.