Esse assunto ficou na cabeça e não resisti. Felipe Massa, do Brasil, mostra para o mundo do que é feito o caráter do povo brasileiro. Só pra constar, Massa deu a vitória a Fernando Alonso no GP da Alemanha depois de receber ordem direta dos boxes da Ferrari. E não era caso de título mundial nem nada, só uma opção clara da escuderia de quem é o primeiro piloto e quem não é.
“Tadinho, ele recebeu ordens e cumpriu. Imagina o que aconteceria se tivesse desobedecido à Ferrari”, dirão os especialistas de plantão. “F1 é negócio, ele é funcionário, tinha que obedecer mesmo”, dirão outros.
O caráleo! Tenho verdadeiro ódio de tadinhos. Se fosse um desempregado que pudesse perder o emprego com o qual sustenta oito filhos, eu até pensaria melhor. Sendo um milionário, é conversa pra boi dormir.
Oras, não me consta que algum grande nome do automobilismo brasileiro – Fitipaldi, pra mim o maior brasileiro de todos os tempos, Sena e Piquet tivessem recebido tal ordem. E, mesmo que tivessem, jamais obedeceriam. Não se pode dizer que eles eram santos. Mas Sena, por exemplo, ao invés de se beneficiar desse jogo sujo – e ele o faria, claro, mas nunca foi preciso – chegou a permitir a ultrapassagem de Gerard Berger para que o companheiro de equipe vencesse.
Schumacher, pra mim o melhor piloto do mundo de todos os tempos, daria risada da ordem. Mesmo na F1 atual, Fernando Alonso, que foi beneficiado pela trapalhada, dificilmente toparia. Mesmo Hamilton, competitivo ao extremo, não toparia o absurdo. Você mede um homem pelo tamanho das concessões que ele é capaz de fazer para manter uma determinada situação.
Um piloto de fibra teria, no mínimo, deixado de cumprir a ordem. Isso se não esculhambasse o absurdo depois. Poderia ser demitido? Até pode ser. Não acho que seria assim. Mas, ainda que fosse, falta de dinheiro não seria problema. Emprego também não. Ou você acredita que alguém talentoso demitido de uma equipe por querer vencer teria dificuldades para ser contratado por outra equipe de ponta?
A atitude de Felipe Massa – covarde, de resto – dá uma idéia do que fazemos, nos mesmos, em menor escala, em nossas vidas. Aceitamos alguns desvios morais que sabemos incorretos para evitar polêmicas. Nos submetemos a fazer um trabalho que sabemos ser eticamente contestável para mantermos nossos empregos. Infelizmente, somos flexíveis demais quando deveríamos ser intransigentes.
Já vivi os dois lados da moeda. Já fui demitido por não ceder a pressões incorretas e fazer o meu trabalho da mesma forma como engoli atitudes que não condizem com a minha ética para manter, em um momento ou outro, algum trabalho. Não são situações fáceis, admito. Mas juro que fiquei melhor desempregado e com a consciência tranqüila.
Me recordo com precisão o dia que fui demitido do A CIDADE. Dias antes, falei com um colega, que preservo o nome para preservá-lo, que minha cabeça estava a prêmio. Ele foi profético: “Você fez um excelente trabalho, denunciou o que tinha que denunciar, fez o seu trabalho. Mas não duvide se, agora, depois de ver a Darcy eleita, você acabar degolado. Você é um pé de dinheiro ambulante”, disse ele na ocasião.
Cantou a bola. Nem precisava, na verdade. No momento seguinte ao que a tia Rosa foi anunciada prefeita da cidade, eu sabia que tinha dois caminhos. Ou me adequava e entrava na turma do oba-oba – ou ao menos parava de bater – ou, mais dias menos dias, eu seria demitido.
Não bati despropositadamente, mas fiz questão de fazer as matérias que precisava fazer. As denúncias dos absurdos que estavam acontecendo antes mesmo da posse. O resultado foi a demissão, por sinal menos de uma semana depois das proféticas palavras do colega.
Dormi preocupado – filho pequeno, família pra cuidar e uma carreira pra resolver. Mas com a cabeça tranqüila. Fiz o que tinha que fazer. Fiquei exatos seis dias desempregado em Ribeirão. Engatei freelas seguidos e um emprego fixo. Não sei se estou melhor ou pior que naquela época, mas estou em paz com minha consciência. Pra mim, é o que vale.
Outra coisa: justificar uma ação sua dizendo que recebeu ordens não é covardia, é falta de caráter. É a mesma justificativa que os líderes nazistas seguidamente deram e dão aos tribunais internacionais. Algumas ordens não devem ser cumpridas. São as que atentem contra a moral. E você deve pagar o preço por não segui-las, senão seria fácil demais ser íntegro.
Cabe a crítica. Massa deu a posição a Alonso e, com isso, prejudicou todos os outros concorrentes ao título, além de si mesmo. Qual será a próxima ordem da Ferrari? Provocar um acidente que tire Vettel da corrida? Não duvido.
Afinal de contas, como diz a anedota, um matuto chegou até a mulher, linda, e disse que pagaria R$ 100 por duas horas de foda em um motel da cidade com ela. Indignada, ela recusou. Xingou o matuto até a alma. Ele disse então: e por R$ 1 milhão?
A mulher pensou, pensou e topou. A resposta foi na lata.
“Puta já provei que você é. Agora é só negociar o preço”.
Resumindo, Massa é a nova puta da F1. Já provou que obedece ordens, mesmo extremamente contestáveis, para manter o emprego. Como Baricchelo, outro lacaio que recebeu ordem semelhante da mesma Ferrari há oito anos, faz o que mandam.
Pra mim, absolutamente nada os diferencia de Nelsinho Piquet, que provocou, a mando da equipe, um acidente para beneficiar o mesmo Alonso.